Capacidade técnica: situação em Portugal

Evolução da regulamentação técnica da construção

Pode afirmar-se que o primeiro regulamento de construção em Portugal surge com a reconstrução de Lisboa, depois do Terramoto de 1755, onde se defendia, entre outras coisas, o uso da chamada “Gaiola Pombalina”.

Até à entrada em vigor do Regulamento de 1958, houve um conjunto de regulamentos e despachos camarários no século XX, onde se dava conta da forma de construir edifícios de alvenaria de pedra e tijolo. A título de exemplo, em 1930 entrou em funcionamento o Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU, 1930) onde eram definidas as espessuras mínimas das paredes em função da altura e andar (Figura 1). Estes regulamentos baseavam-se na experiência adquirida e não exigiam qualquer cálculo sísmico.

O início da regulamentação sismo-resistente

O primeiro regulamento da era moderna que obriga ao cálculo sísmico explícito das construções data de 1958, tendo sido a legislação técnica fortemente melhorada com a entrada em vigor, em 1983, do regulamento atual. Há várias décadas que, nas principais escolas de engenharia de Portugal, muitos dos futuros engenheiros civis são ensinados a projetar edifícios e outros tipos de estruturas para resistirem a sismos.

A implementação do regulamento europeu para as zonas sísmicas, o Eurocódigo 8, iniciada em 2020, é mais um passo em frente no aperfeiçoamento da legislação técnica para o projeto e construção de estruturas sismo-resistentes.

As construções anteriores a 1958 não eram explicitamente projetadas para resistir a sismos, com a exceção da construção Pombalina. No entanto, estas construções foram sendo adulteradas ao longo do tempo, em particular durante o século XX, para as adaptar a novas usos e introduzir funcionalidades atuais sem as quais a sua utilização nos dias de hoje seria inviável.

Salvo raras exceções, estas alterações foram feitas sem qualquer cuidado em preservar a resistência sísmica das construções Pombalinas originais, tendo resultado no enfraquecimento e redução da resistência sísmica deste edifícios. No entanto, não se pode afirmar que todos os edifícios antigos têm menos resistência sísmica que os edifícios mais recentes, pois não se pode extrapolar para casos individuais sem os analisar primeiro com detalhe.

A introdução da regulamentação técnica que obriga ao cálculo sísmico explícito, aumenta o grau de exigência, traduzindo-se num aumento médio da resistência sísmica dos edifícios construídos a partir da entrada em vigor dessa regulamentação. Obviamente, esse aumento médio seria superior se também houvesse uma fiscalização eficiente da aplicação da regulamentação. No entanto, como a legislação técnica emitida desde finais da década de 1950 só se aplica a construção nova, até 2019 não havia qualquer grau de exigência legal de reforço sísmico na reabilitação de edifícios. Para alterar esta situação foi emitida a Portaria nº 302/2019, de 12 de setembro de 2019, que define os termos em que obras de ampliação, alteração ou reconstrução estão sujeitas à elaboração de relatório de avaliação de vulnerabilidade sísmica, bem como as situações em que é exigível a elaboração de projeto de reforço sísmico, nomeadamente:

a) existência de sinais evidentes de degradação da estrutura do edifício;

b) procedam ou tenham por efeito uma alteração do comportamento estrutural do edifício;

c) cuja área intervencionada, incluindo demolições e ampliações, exceda os 25 % da área bruta de construção do edifício;

d) cujo custo de construção exceda em pelo menos 25 % do custo de construção nova de edifício equivalente.

De acordo com a Portaria nº 302/2019, quando o relatório de vulnerabilidade sísmica do edifício concluir que este não satisfaz as exigências de segurança relativas a 90% da ação definida na norma NP EN1998-3:2017, é obrigatória a elaboração de projeto de reforço sísmico, ao abrigo da mesma norma.

De acordo com esta Portaria, nos casos em que a avaliação da resistência sísmica se encontra abaixo de um certo limiar o reforço sísmico passa a ser obrigatório. Esse limiar e a acção sísmica de projecto para efeitos do reforço sísmico em obras de reabilitação de edifícios encontram-se definidas no artigo 1º da Portaria nº 302/2019. Como ferramenta técnica de suporte à avaliação da resistência sísmica de edifícios de betão armado pode consultar-se http://spessismica.pt/pt/avaliacao-de-vulnerabilidades/.

Evolução dos materiais estruturais

Sublinhe-se que a evolução da regulamentação ocorre em paralelo com a evolução dos materiais estruturais.

No início do século XX, o material dominante na construção era a alvenaria, sendo as construções em betão casos isolados sem expressão numérica relevante. A partir da década de 1930, verifica-se o uso do betão simples e armado em cada vez mais elementos estruturais de edifícios, até se tornar o material estrutural dominante. Desta forma, pela década de 1950 as alvenarias eram utilizadas essencialmente em paredes divisórias e exteriores, sem função estrutural.

Assim, pode dizer-se que, quando o primeiro regulamento da era moderna – que obriga ao cálculo sísmico explícito de estruturas de edifícios e pontes – entrou em vigor, em 1958, o material de eleição na construção de edifícios correntes de habitação e escritórios era o betão armado.
 

Reforço sísmico

No caso das estruturas antigas de alvenaria, as técnicas de reforço começaram a desenvolver-se décadas depois da regulamentação de 1958, principalmente a partir da década de 1980, e por isso o conhecimento técnico no domínio do reforço não é tão desenvolvido como para as construções novas, que é hoje bastante avançado.

No entanto, existe já uma experiência considerável, superior à que existia para as construções novas, quando a regulamentação aplicável a estas se começou a desenvolver, na década de 1950. Pode assim concluir-se que, sem prejuízo da necessidade de aperfeiçoamento constante, já há décadas que o conhecimento na área do reforço é suficiente para iniciar um processo de reforço sistemático das construções com resistência sísmica insuficiente, em particular as mais antigas.

Realce-se que diversas construções de betão armado podem também precisar de reforço sísmico, por várias razões:
- porque são anteriores à regulamentação de 1958 e não foram projetadas para resistir a sismos;
- porque foram construídas no período inicial da regulamentação sismo-resistente e ainda enfermam de deficiências relevantes;
- porque, apesar de serem recentes, a conceção do ponto de vista da resistência sísmica, a qualidade do projeto e/ou da construção, deixa(m) muito a desejar.