Estratégias de reforço

Um projeto de reforço sísmico tem como objectivos, assegurar um determinado nível de resistência sísmica e melhorar o futuro desempenho sísmico da construção tendo em conta limitações de recursos.

O primeiro objetivo é aquele que é suposto ser aplicado nas construções novas, e constitui um imperativo legal imposto pela regulamentação técnica portuguesa (RSA, 1983 e REBAP, 1983) e pela futura regulamentação europeia (EC8, 2002), que explicitam o nível de resistência sísmica a atingir.

Desta forma, a regulamentação pretende garantir níveis de segurança estrutural mínimos bastante elevados e uniformes no território nacional. Seria, assim, o critério ideal para aplicar também em obras de reparação e reforço. No que diz respeito à segurança face aos sismos, este critério tem como pressuposto da sua aplicação em construções novas, o seu baixo custo relativamente a obras com fracos níveis de segurança. No entanto, este pressuposto pode não se aplicar em obras de reforço estrutural, pois o custo adicional do reforço sísmico pode ser extremamente variável. Em particular se se exigirem níveis de segurança iguais aos prescritos pela regulamentação para construção nova, na prática podem inviabilizar-se muitas obras de reforço que assegurariam níveis de resistência sísmica aceitáveis, embora inferiores aos exigidos para construção nova.

Na prática, em obras de reparação e reforço sísmico de edifícios, o segundo objetivo, não sendo o ideal, é muitas vezes o mais lógico e viável. Esta alteração de objetivos tem implicações na forma de analisar a estrutura e definir a estratégia de intervenção. No projeto corrente para construções novas é necessário assegurar em todos os elementos estruturais que os efeitos da ação sísmica, quantificados em cada caso em termos das variáveis mais adequadas, são inferiores aos valores resistentes (ou disponíveis) dessas mesmas variáveis. Ou seja, se as propriedades dos materiais não forem inferiores aos valores de projeto, todos os mecanismos que poderiam levar ao colapso da estrutura têm associada uma resistência à ação sísmica superior ao valor da ação sísmica de projeto. Fazendo uma analogia com a Figura 1, e fazendo corresponder os possíveis mecanismos de colapso aos elos da corrente, o objetivo 1 corresponde a garantir que a intensidade da ação sísmica a que cada elo consegue resistir (Selo) é superior ao valor que corresponde à ação sísmica de projeto (Sproj).

Suponha-se agora que se está colocado perante a questão de reforçar um edifício com resistência sísmica insuficiente. Em geral, haverá diferentes maneiras de levar a estrutura ao colapso (que aqui se designarão por mecanismos de colapso), como por exemplo, a queda das fachadas para fora do plano devido a más ligações às paredes ortogonais, rutura por corte ou flexão dos pilares ao nível do piso térreo, colapso das fachadas no seu plano por rutura dos materiais, etc.

Assim, exprimindo a intensidade da ação sísmica, por exemplo através de um número que multiplica o sismo de projeto (que aqui se designará por intensidade sísmica), que conduz à formação de cada um dos mecanismos possíveis, pode chegar-se a uma situação como a representada na Figura 2.

Como a resistência da corrente é a resistência do elo mais fraco, numa situação deste tipo basta reforçar esse elo para obter ganhos de resistência significativos. Assim, depois de reforçado o edifício, passaria para a situação que se ilustra na Figura 1 designada por “após o reforço”. Neste processo, há que ter em conta que se o aumento da resistência de um dos elos se basear em soluções que aumentem as forças de inércia para um dado sismo, a manutenção da resistência outros mecanismos de colapso faz com que a intensidade sísmica, que leva à ocorrência destes mecanismos, diminua.

Independentemente desta questão, a estratégia de reforço do elo mais fraco só é eficiente até a respetiva intensidade sísmica atingir o valor da intensidade sísmica de outros mecanismos. A partir daí, o elo reforçado deixará de ser o elo mais fraco, e é necessário alterar a estratégia de intervenção, pois aumentos da resistência apenas deste elo serão inúteis, uma vez que a resistência será condicionada por outros elos, podendo até ser contraproducente, se conduzir à redução da intensidade sísmica associada a esses elos.

A segunda opção pode também ser implementada de forma mais simples, eventualmente sem as mesmas garantias de eficácia, por via de uma melhoria simultânea da resistência a todos os mecanismos possíveis ou aos mais plausíveis de ocorrer. No entanto, a possível perda de eficácia pode ser discutível, pois depende do grau de conhecimento das propriedades dos materiais, que condiciona o rigor com que é possível avaliar a intensidade sísmica associada a cada mecanismo de colapso. Assim, nos casos, provavelmente frequentes, em que é difícil avaliar as propriedades dos materiais com um grau de confiança suficiente para permitir um nível elevado de rigor no cálculo das intensidades sísmicas para diferentes mecanismos de colapso, esta via de aplicar de forma simples o segundo objetivo de projeto pode ser a melhor opção. Uma estratégia deste tipo tem uma base empírica, e pode passar por:
- aumento da resistência sísmica da generalidade dos seus elementos estruturais, ou daqueles que se pense serem os mais fracos relativamente aos efeitos dos sismo;
- substituição de elementos degradados;
- reconstituição de peças em falta no sistema estrutural, quer isso se deva a faltas no sistema estrutural original, quer devido a intervenções posteriores à construção original.

Nesta fase de desenvolvimento inicial de políticas de reforço sísmico de edifícios antigos de alvenaria, a opção proposta no Capítulo 6, pela sua simplicidade, pode ser das mais eficazes e é neste contexto que neste documento se fazem uma série de recomendações e se listam medidas de reforço de elementos estruturais de edifícios antigos de alvenaria.

Realce-se que este tipo de opção já mostrou a sua eficácia em casos reais: a Figura 3 mostra um exemplo de duas construções na ilha do Faial após o sismo de 1998. Ambas são construções antigas de alvenaria, e as construções originais não haviam sido construídas para resistir a sismos. A construção da esquerda, que não colapsou, havia sido reforçada desta forma.

Refira-se também que a reconstrução das construções danificadas pelo sismo de 1998, que atingiu em particular as ilhas do Faial e do Pico, se efetuou com base em regras deste tipo, cuja elaboração foi promovida pelo Governo Regional dos Açores. Essas regras foram aplicadas de forma generalizada, merecendo uma avaliação positiva da comunidade técnica em geral.

A metodologia proposta, embora possa produzir os resultados desejados em construções de pequeno e médio porte de regularidade razoável, pode ser insuficiente para assegurar com fiabilidade suficiente os mesmos níveis de segurança em construções de maior parte e/ou grande irregularidade estrutural. É assim recomendável que, nas fases iniciais da sua aplicação, o reforço sísmico, por via da aplicação das recomendações propostas, seja feito com acompanhamento técnico das instituições de investigação.