Reparação e Reforço

Estudos recentes (Mota de Sá, 2016) mostram, de forma inequívoca, que a grande maioria dos edifícios antigos de alvenaria – representando cerca de 51% de todo o edificado de Lisboa –, tem menos de metade da resistência necessária para sobreviver a episódios sísmicos relevantes.

Esta capacidade depende, em grande parte, do comportamento dos pavimentos bem como, naturalmente, da capacidade dos elementos resistentes verticais, paredes e colunas. Daí a extrema importância de se proceder a um conveniente reforço destes elementos, o que, a não acontecer, poderá induzir cenários de extrema gravidade, situação a que se torna urgente pôr termo, a fim de que isso se possa evitar ou, pelo menos, minorar. Assim, além das paredes, o reforço sísmico dos pavimentos pode ser relevante em obras de reabilitação, para reduzir em grande parte o problema da vulnerabilidade sísmica destes edifícios.

Mas, se a reparação dos pavimentos se destina apenas a repor a sua condição normal de resistência às cargas gravíticas (verticais), o reforço, pelo menos como aqui abordado, destina-se a dotar os pavimentos de uma rigidez e resistência suficiente no seu plano quando os edifícios são sujeitos a forças de inércia (cíclicas, horizontais), ou seja, a ações sísmicas. Por este facto, reparação e reforço serão aqui tratadas separadamente para melhor clarificar o papel de cada um desses procedimentos.


Reparação dos pavimentos de madeira

Da mesma forma que para as estruturas da cobertura, a reparação da estrutura dos pavimentos passa, sobretudo, pela remoção e substituição de zonas, entregas, troços de vigas degradadas e eliminação de deformações (flechas) nos vãos ou outras, que possam estar a sobrecarregar paredes não estruturais (nomeadamente tabiques) por insuficiência da estrutura do pavimento. É de notar que as ações de reparação devem ter lugar em qualquer obra de reabilitação e, sendo obrigatórias, não são suficientes para garantir resistência sísmica à estrutura. Para tanto é necessário proceder ao que aqui se indica sob a designação de ‘reforço’.

A reparação de troços degradados faz-se pela realização de empalmes ou substituição dos troços degradados, nomeadamente nas entregas, por próteses. Já a eliminação de flechas e deformações, e o aumento da capacidade resistente, terá de ser conseguido pela introdução de elementos estruturais adicionais como adiante se indica.

No que se refere à realização dos empalmes, estes poderão ser em madeira, devendo esta, preferencialmente, ser madeira antiga, em bom estado, eventualmente recolhida de outras obras de reabilitação (Appleton 2003) ou recorrendo a chapas ou perfis metálicos, como indicado nas Figura 1 e Figura 2).

A realização de próteses pode ser conseguida pela introdução de componentes metálicas (Figura 3) (Cóias 2007), ou recorrendo a injeções de resinas epoxídicas (Figura 4), procedendo-se posteriormente à sua ligação às paredes (Figura 5, Figura 6A e Figura 6B).

Os casos mais clássicos são apresentados na Figura 6B, onde se apresentam ligação de pavimentos a paredes de alvenaria com recurso a chumbadores metálicos (Figura 6B, esquerda) ou esticadores metálicos (Figura 6B, direita).

Nos casos em que os pavimentos apresentem deformações significativas, derivadas de fluência ou de sobrecarga excessiva, evidenciadas pela presença de consideráveis flechas nos vãos, ou pela deformação de tabiques sobrecarregados, haverá que reforçar a estrutura recorrendo a:

  • Introdução de um nível adicional de vigas, perpendicularmente às existentes (Figura 7-a);
  • Introdução de novas vigas de madeira intercaladas com as existentes (Figura 7-b);
  • Reforço das vigas existentes com empalmes realizados em chapa ou perfis metálicos (Figura 7-c);
  • Introdução de novas vigas de madeira e/ou metálicas intercaladas com as existentes (Figura 7-e);
  • Introdução de vigas metálicas em dois níveis (Figura 60D) ou ainda recorrendo a estruturas metálicas mais elaboradas (Figura 8).

Reforço dos pavimentos de madeira

O comportamento estrutural de um edifício de alvenaria sujeito a ação sísmica é fortemente afetado pela rigidez dos pisos no plano, e pelas ligações entre os diafragmas horizontais e a alvenaria das paredes (Figura 9), apresentando estas, geralmente, uma resistência insuficiente às cargas horizontais que atuam fora do seu plano. Caso o diafragma horizontal possa ser considerado perfeitamente rígido, e as ligações entre paredes e diafragma devidamente asseguradas, a ação sísmica lateral pode ser convenientemente transmitida para as paredes, conduzindo a uma resposta tridimensional de todo o sistema (comportamento de Boxing), proporcionando uma melhor distribuição e transferência de forças para as paredes resistentes.

A experiência de terramotos recentes, mostrou que um papel fundamental é desempenhado pelo diafragma horizontal na transmissão das forças de inércia horizontais que se formam durante a ocorrência de um sismo. Caso o piso não esteja ligado de forma satisfatória às paredes adjacentes, ou a rigidez no plano seja inadequada, vários são os mecanismos de colapso que se podem formar.

Nos últimos anos, vários estudos e propostas têm vindo a ser publicados e sugeridos para rigidificação dos pavimentos de madeira, bem como para a sua ligação às paredes adjacentes. Das soluções apresentadas, enumeram-se em seguida, por ordem crescente da sua eficácia (aumento da rigidez), as seguintes:

  1. Acrescento de uma segunda camada de soalho, perpendicular e colada com resina epóxi e pregada ao original;
  2. Acrescento de uma segunda camada de soalho, disposta diagonalmente, a 45º relativamente ao original, constituída por tábuas de 100x30 mm (Figura 10-b) (Piazza, Baldessari et al. 2008; Baião, Pinho et al. 2012);
  3. Reforço com chapas finas de aço, com 80x2 mm, com parafusos de 5x25 mm, em fiadas de 20 parafusos/m (Figura 10-c) (Piazza, Baldessari et al. 2008; Baião, Pinho et al. 2012);
  4. Pavimento reforçado com faixas de CFRP (polímero de fibra de carbono reforçada) com 50x1,4 mm, coladas ao soalho com resina epoxídica (Figura 10-d) (Piazza, Baldessari et al. 2008; Baião, Pinho et al. 2012);
  5. Pavimento reforçado simultaneamente por nova camada de soalho, e faixas de CFRP (Figura 11) (Brignola, Podestà et al. 2008; Brignola, Pampanin et al. 2009);
  6. Pavimento reforçado com 3 camadas de painéis de derivado de madeira, com 21 mm, ligados às vigas com cola de poliuretano e varões de aço de 10 mm colados com resina epoxídica (Figura 10-e), (Piazza, Baldessari et al. 2008; Baião, Pinho et al. 2012; Meireles and Bento 2013);
  7. Realização de laje em betão armado, sobre o sobrado existente, com 50 mm, com rede eletro soldada de varões de aço de 5 mm, em malha de 200x200 mm, ligados às vigas com cola de poliuretano e varões de aço de 10 mm colados com resina epóxi (Figura 10-f), (Piazza, Baldessari et al. 2008; Baião, Pinho et al. 2012; Meireles and Bento 2013).

A todas estas propostas, com exceção da que se constitui por uma laje em betão armado, é comum a presença de um perfil metálico em ‘L’ (ou ‘U’), bordejando todo o pavimento, com a alma devidamente ancorada às paredes de alvenaria (Figura 12), servindo o banzo para apoio e ligação com parafusos ou com resinas epoxídicas aos restantes elementos que constituem o pavimento agora reconstruído.

É ainda de referir que a introdução de lajes betão armado em todo o piso, em estruturas de alvenaria, leva a um aumento na vulnerabilidade – Vu dos edifícios (Giovinazzi and Lagomarsino 2001; Giovinazzi and Lagomarsino 2004; Giovinazzi 2005)–, e uma diminuição significativa da sua capacidade última – agu (aceleração máxima que o edifício é capaz de suportar na base sem colapsar) (Mota de Sá, Lopes et al. 2018)–, a qual pode chegar a 30%, principalmente em edifícios com mais de 3 andares, agravando-se à medida que o número de pisos aumenta (Mota de Sá 2016).

Tal facto deriva de que o aumento das forças de inércia horizontais, geradas durante um sismo, devidas ao excessivo peso da laje de betão, não são compensadas pelo efeito benéfico da redistribuição de deslocamentos e esforços resultante da presença de um diafragma rígido. O facto tem sido comprovado, não apenas pelos estudos recentes, como se pôde constatar recentemente em Itália no decorrer dos últimos sismos de Amatrice e Norcia (2016 e 2017). De facto, durante a visita do Instituto Superior Técnico (IST) a estas cidades do centro de Itália, este efeito foi confirmado pelos técnicos de Norcia. Nas palavras do presidente da câmara municipal local: "A substituição dos antigos sobrados por novas lajes de betão, foi o maior erro que fizemos quando do reforço das edificações."

Pôde, aliás, observar-se durante a visita a Amatrice, casas de alvenaria literalmente cortadas ao nível dos pavimentos em betão armado. Para além deste inconveniente acrescentam-se os efeitos a evitar: as águas das argamassas em contacto com os sobrados, virem a reagir e a provocar o apodrecimento e degradação das componentes de madeira.

Por todos estes motivos, embora conste como uma solução que aumenta significativamente a rigidez dos pisos no seu plano, esta solução, que aliás é prática frequente, deve ser abandonada e substituída por outras, ou por uma das restantes aqui apresentadas.

Apresenta-se de seguida um processo de rigidificação e de ligação dos pavimentos à restante estrutura, baseado no trabalho de Nunes, desenvolvido recentemente no IST (Nunes 2017). Esta metodologia, tal como algumas das referidas, apresenta a vantagem (Appleton 2003; Cóias 2007) de ser reversível e pouco intrusiva.

O processo que então se preconiza, passa pela constituição de uma malha diagonal de faixas metálicas, espaçada ~600 mm, a 45º (relativamente às vigas) e amarrada a uma viga de bordadura em perfil metálico ‘L’. As faixas metálicas, com 100x5 mm, vêm as suas intersecções aparafusadas às vigas e as suas extremidades aparafusadas à viga de bordadura, esta com a alma devidamente ancorada nas paredes de alvenaria. Para a viga de bordadura com 50 (alma) x 100 (banzo) mm,  bem como para os parafusos utilizou-se aço 275 JR. Foram usados parafusos Hilti S-MD 55 GZ 5,5x52 mm e resina epóxi com agregado Hilti HIT-RE 500 para as ligações de extremidade das barras à cantoneira periférica e os parafusos Hilti S-MP 63 S6,5x100 mm para as ligações ao pavimento de madeira. As dimensões são indicadas como referência mas podem variar de caso para caso.

O procedimento está ilustrado nas Figuras 13 e 14.


Reforço dos pavimentos mistos (cerâmicos, metálicos)

Substituição dos elementos metálicos degradados, por outros de secção superior, garantindo uma boa ligação entre a viga horizontal periférica com as paredes de empena (ver pavimentos de madeira). Importa também tirar partido do reforço das escadas posteriores em ferro, através de uma boa ligação.